De adoçante a combustível, novos organismos têm potencial para diversas aplicações biotecnológicas e reforçam forte relação entre conservação ambiental e bioinovação
Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, em parceria com colegas da Universidade Federal do Tocantins e da University of Western Ontario (Canadá), descobriram duas novas espécies diferentes da levedura Spathaspora. Os isolados foram encontrados em biomas da Amazônia brasileira e, em homenagem ao indigenista e ao jornalista assassinados no Vale do Javari (AM), em junho de 2022, receberam o nome de Spathaspora brunopereirae sp. nov. e Spathaspora domphillipsii sp. nov. As novas espécies e suas potenciais aplicações foram apresentadas em artigo publicado, na sexta-feira, 10 de março, na revista International Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology.
De acordo com o microbiologista Carlos Augusto Rosa, coordenador do INCT Leveduras e orientador das pesquisas que resultaram no artigo, quatro isolados de espécies de Spathaspora foram recuperados de madeira em decomposição coletada em biomas da Amazônia brasileira. “Dois deles foram recuperados em diferentes locais da floresta amazônica, no estado do Pará, e, os outros dois, obtidos de uma região de transição, entre a floresta amazônica e o ecossistema do Cerrado, no estado de Tocantins". O sequenciamento e a análise das amostras foram realizados no Laboratório de Taxonomia, Biodiversidade e Biotecnologia de Fungos do ICB UFMG.
Os testes mostraram que ambas as espécies são capazes de converter d-xilose em etanol e também em xilitol, um tipo de adoçante natural que pode ser usado por diabéticos. "Isso significa que esses microrganismos têm características com diversas aplicações biotecnológicas, entre as quais a produção de xilitol e de combustível", explica. A produção de xilitol e bioetanol a partir de xilose, oriunda de resíduos vegetais, por exemplo, requer conhecimento tanto das condições experimentais quanto das enzimas responsáveis pelo metabolismo desse açúcar, cujo nome vem do grego (xylon = madeira).
Os cientistas destacam o fato de que a Amazônia, a maior floresta tropical do mundo, representa 40% das florestas tropicais remanescentes e responde por 10% da biodiversidade conhecida do planeta. "Mas, apesar disso, esse bioma continua sofrendo com as mudanças climáticas, desmatamento e queimadas", salienta Carlos Rosa. Ele chama a atenção para o fato de que a riquíssima biodiversidade microbiana da região ainda é pouco explorada no Brasil como fonte de inovações biotecnológicas. “Nos trabalhos realizados na região sobre biodiversidade de leveduras, geralmente de 30 a 50% das espécies encontradas destes microrganismoss são novas para a ciência”, informa o professor.
“Daí a importância das pesquisas nessa área e também dos esforços de Bruno e Dom para preservar o bioma da região", afirma o professor titular de microbiologia. Ainda segundo o cientista, nomear as duas novas espécies com os nomes deles “é reconhecer, valorizar e homenagear a dupla pelo trabalho em defesa do meio ambiente”.
O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e pelo Conselho de Pesquisa em Ciências Naturais e Engenharia do Canadá.
O Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Leveduras: Biodiversidade, preservação e inovações biotecnológicas, ou simplesmente INCT Leveduras, integra o grupo de novos Institutos de pesquisa que devem entrar em operação ainda no começo de 2023. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq MCTI) selecionou dezenas de laboratórios considerados como capazes de articular e agregar os melhores grupos de pesquisa do Brasil “em áreas de fronteira da ciência e em campos estratégicos para o desenvolvimento sustentável do país, em nível competitivo internacionalmente”.
O Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) selecionou seis novos centros de pesquisa da UFMG, cinco deles sediados no Instituto de Ciências Biológicas (ICB). O objetivo do Programa é estimular o desenvolvimento da ciência e da tecnologia de ponta “associada a aplicações, promovendo a inovação e o espírito empreendedor, em articulação com empresas inovadoras, nas áreas do Sistema Brasileiro de Tecnologia”, segundo o CNPq.
O INCT Leveduras tem como um de seus principais objetivos, conhecer e utilizar de forma sustentável as leveduras da biodiversidade brasileira. A equipe do projeto é composta por 25 docentes e mais 180 colaboradores, docentes, bolsistas e técnicos. Os pesquisadores integram os quadros de 11 instituições, de norte a sul do Brasil, além de colaboradores internacionais.
O ARTIGO
Spathaspora brunopereirae sp. nov. and Spathaspora domphillipsii sp. nov., two d-xylose-fermenting ascosporogenous yeasts from Amazonian Forest biomes
Ana Raquel O. Santos, Gisele F. L. Souza, Katharina O. Barros, Flávia B. M. Alvarenga, Mariana R. Lopes, Láuren M. D. Souza, Luiz H. Rosa, Aristóteles Góes-Neto, Paula B. Morais, Marc-André Lachance, Carlos A. Rosa
10 de março de 2023 - https://doi.org/10.1099/ijsem.0.005752
https://www.microbiologyresearch.org/content/journal/ijsem/10.1099/ijsem.0.005752
Outras informações sobre a biodiversidade de leveduras no bioma amazônico podem ser obtidas no artigo:
The Brazilian Amazonian rainforest harbors a high diversity of yeasts associated with rotting wood, including many candidates for new yeast species
Katharina O. Barros, Flávia B. M. Alvarenga, Giulia Magni, Gisele F. L. Souza, Maxwel A. Abegg, Fernanda Palladino, Sílvio S. da Silva, Rita C. L. B. Rodrigues, Trey K. Sato … Carlos A. Rosa https://doi.org/10.1002/yea.3837
Redação: Dayse Lacerda
Edição: Marcus Vinicius dos Santos