Entrevista
O professor Vasco Ariston, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, e seu colega e colaborador, o indiano e professor do mesmo departamento Debmalya Barh, acabam de lançar o mais novo e um dos mais completos livros de abordagens e tecnologias Ômicas para o covid-19.
Ainda considerado informal, o termo ômica é quase um trocadilho. Ele se refere ao sufixo do nome das disciplinas biológicas: genômica, proteômica, metabolômica, metagenômica, fenômica e transcriptômica. O livro, em inglês, tem o objetivo de caracterizar e quantificar um conjunto de moléculas envolvidas na estrutura, função e dinâmica de um organismo ou organismos. Seu grande diferencial é reunir o que de mais avançado vem sendo aplicado no enfrentamento da pandemia. As tecnologias usadas foram descritas em 26 capítulos do livro, por acadêmicos e pesquisadores de 15 países diferentes.
Segundo Vasco Ariston, foi um trabalho em tempo real e teve de ser feito com uma enorme agilidade. “A pandemia acontecendo e a gente compilando e analisando os dados”, revela. Como resultado prático da agilidade conquistada a partir da melhor compreensão das ciências ômicas ele cita a vacina bivalente, que começou a ser usada no Brasil nesta segunda-feira, 27/2/2023. “Ela só foi possível, agora, porque conseguimos sequenciar o vírus em tempo real, do contrário não teríamos esta nova vacina. A melhor interpretação dos resultados, devemos às ciências ômicas”, ensina.
Entrevistador – O que significa os “ômics” mais conhecidos, como genômica, proteômica, metabolômica e o que esses termos têm em comum, além do sufixo?
Prof. Vasco – A palavra nasceu de uma fusão das palavras Genes com o cromossomo que deu origem palavra Genoma. O ato de sequenciar o DNA chamamos de Genômica. Sequenciar proteínas, proteômicas. Metabolômica sequenciar metabólitos. Transcriptômica sequenciar os RNAs. Variações do sufixo ômicas surgem a cada momento. Não para. E isso está mudando a saúde!
E - Mudando a saúde? De que forma?
V - Na pandemia o uso da ômica foi essencial. Sequenciamos o vírus da covid-19, em tempo real, no mundo. O desenvolvimento de vacinas, medicamentos e toda da gama de conhecimento foi possível graças às ciências ômicas. No nosso livro mostramos isso. A saúde mudou completamente depois das ômicas. Graças a isso estamos na era de medicina de precisão. Conseguimos identificar doenças como a síndrome de Down em gestantes com 15 dias de gravidez, ou já é possível escolher os medicamentos mais adequados para tratamentos de câncer, por exemplo.
E - Quais os desafios e limitações das tecnologias ômicas e até multi-ômicas?
V - No Brasil, o preço dos insumos. Eles são importados e custam até três vezes mais caro do que quando comprados fora do país. As tecnologias ômicas estão sempre em evolução e o céu é o limite. Nas multi-ômicas precisamos que estas tecnologias conversem entre si, que os programas e as linguagens de computador permitam as trocas e as análises.
E - Na era do big data, o que tem atraído os cientistas para grandes conjuntos de dados no esforço de elucidar padrões e tendências de interesse?
V - Big data é uma consequência das ômicas. Tem um dilúvio de dados, muitas informações que precisamos minerar para extrair o que é importante. Temos o melhor curso de bioinformática do Brasil, nota 7 da CAPES, precisamos formar mais. A absorção pelo mercado é grande. O que tem aberto novos postos de trabalho. Não tem bioinformata desempregado, mesmo só com o título de mestrado no país. O Ministério da Saúde empregou bioinformatas nos 27 estados da federação, para trabalhar com dados da pandemia e de outras epidemias, como dengue, por exemplo.
E - O uso de “big data” na pesquisa biomédica inclui a da doença cardiovascular aterosclerótica?
V - Sim. Hoje usamos termos como medicina de precisão como já falei e medicina translacional. Do laboratório para o leito do paciente ou vice e versa. A medicina translacional inicia identificando a doença, desvendando a sua fisiopatologia, gerando dados que nos possibilitam a descoberta de alvos terapêuticos, ou seja do leito do doente para as mãos dos pesquisadores no laboratório.
E - O que significa "Poder Preditivo" dessas tecnologias?
V - Novos termos como medicina preditiva ou integrativa. O poder preditivo é imenso. A área da saúde está tendo impactos extraordinários. Estes novos ramos utilizam inteligência artificial (AI), treinamentos de máquinas, manejo de big data para identificar doenças antes que elas apareçam e tratamento adequado de forma antecipada.
E - À medida que o campo amadurece e os conjuntos de dados crescem, é possível e viável criar repositórios centralizados de dados multi-ômicos?
V - Sim. Já existem em outros países. Já há pesados investimentos no chamado “Federated Learning”, uma maneira de treinar modelos de inteligência artificial sem que ninguém veja ou toque em seus dados. E precisamos desenvolver e dominar meios de proteger os dados gerados para que eles não caiam em mãos erradas.
E – Professor, você pode dar alguns exemplos práticos de aplicações da ciências ômicas, coletivamente? Existem "terapias ômicas"?
V – Já há muitos usos. Como a edição genética, que permite substituir a sequência de DNA com mutação por partes saudáveis. Ao sequenciarmos o DNA de indivíduos e tendo sido estabelecido o que é saudável, podemos corrigir. Não chamaria de “terapia ômica”, mas de “tecnologia ômica”. Ela permite usar uma das técnicas mais modernas para a edição genética, chamada CRISPR. Podemos dizer que o CRISPR é um “corretor das 4 letras do DNA”. Quando uma dessas letras se encontra errada, é possível modificar o DNA e corrigir a sequência.
E - A parceria com pesquisadores indianos foi essencial para esses estudos?
V - Eles são essenciais nas pesquisas deste campo de estudo. Afinal, a Índia é o maior exportador mundial de tecnologia da informação. Corresponde a 8% de seu PIB. Eles são super importantes no mercado de software e compõem cerca de 6% da mão de obra do vale do Silício, nos Estados Unidos.
E – Professor, e o livro já está disponível para venda?
V – Sim. No site da Amazon.com.br