Pesquisadores do ICB constataram que rede de conexões ocultas afeta a estrutura dos ecossistemas e desempenha papel crucial na manutenção da biodiversidade
Já há muito tempo, são bastante exploradas pela ciência as interações visíveis e diretas entre as espécies, como a predação, o parasitismo e o mutualismo (relação em que ambos se beneficiam, como a que ocorre entre flores e insetos polinizadores). Mas as espécies se afetam, também, por meios indiretos e de mais difícil detecção — e essas conexões "ocultas" podem ser cruciais para a própria sobrevivência dos ecossistemas.
Modificações na interação entre pares na natureza, determinadas por uma terceira espécie, são chamadas de interações de ordem superior (IOS). Elas compõem uma estrutura menos óbvia e ainda pouco estudada.
“Conhecer como essa rede oculta afeta a estrutura e o funcionamento das comunidades é imprescindível para compreender a existência de uma espécie em determinado local, o impacto de uma extinção para os ecossistemas e os efeitos das mudanças climáticas, bem como para encontrar meios de evitar espécies indesejáveis”, informa o biólogo Milton Barbosa da Silva Júnior, pós-doutor pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre da UFMG e PhD pela Universidade de Oxford. Ele é um dos autores do artigo Experimental evidence for a hidden network of higher-order interactions in a diverse arthropod community, publicado no portal Current Biology, revista científica internacional de alto impacto na área de Ciências Biológicas. O trabalho tem como coautores o professor Geraldo Wilson Fernandes, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do ICB, e Rebecca Janes Morris, da Universidade de Southampton, da Inglaterra.
A detecção dos efeitos das IOS na natureza, como explica Milton Barbosa, requer manipulações experimentais, com exclusão ou introdução de espécies em uma comunidade — o que é “extremamente problemático e trabalhoso”. “De modo geral, é difícil manipular os sistemas e conseguir monitorar as consequências. Mas encontramos, no alecrim-do-campo, na Serra do Cipó, em Minas Gerais, um sistema ideal para realizar esse tipo de manipulação. O sistema, apesar de confinado em um pequeno espaço, é muito diverso e complexo”, explica o pesquisador.
A fim de comprovar a hipótese de que uma rede complexa modifica, de forma contínua, interações entre pares de espécies e molda os ecossistemas, os três autores do artigo foram a campo e desenvolveram múltiplos testes, removendo componentes da comunidade de artrópodes associados ao alecrim-do-campo, como formigas, joaninhas e aranhas, além dos insetos galhadores (que induzem tumores, ou galhas, na planta e se desenvolvem dentro delas) e os seus parasitas, as vespas.
Os pesquisadores criaram quatro tipos de cenários experimentais: no primeiro, todas as formigas foram excluídas, aplicando-se uma resina no caule das plantas; no segundo, galhas vivas de insetos galhadores foram removidas manualmente; no terceiro, foram retiradas as galhas eclodidas. Por fim, no quarto cenário, não foi feita manipulação alguma.
“Ao longo de dois meses, quantificamos as mudanças no número de indivíduos (formigas, herbívoros, predadores e pulgões) e as mudanças nas interações entre pares, como a predação entre galhadores e a planta, o parasitismo das vespas sobre os galhadores e a competição por espaço entre pulgões e insetos. Revelamos que a maioria das interações foi afetada indiretamente pela manipulação de espécies exteriores”, relata Milton Barbosa.
De acordo com o biólogo, trata-se do primeiro teste experimental sobre a importância das redes de interações ocultas. "A rede de IOS provavelmente desempenha papel crucial na manutenção da biodiversidade. Tudo indica que essas estruturas criam uma regulação que possibilita a coexistência de mais espécies em determinado lugar e a própria estabilidade desse ambiente”, avalia.
A pesquisa, segundo Milton Barbosa, "demonstra como é difícil intervir em um sistema e obter o resultado esperado”. "Se você introduz em um sistema, por exemplo, uma espécie exótica ou invasora, não serão afetadas somente as espécies que se relacionam diretamente com ela. Assim como a perda de uma espécie por extinção tem consequências inimagináveis, pode afetar todo o sistema”, ilustra.
É preciso, na avaliação do cientista, desenvolver meios de estudar essa complexidade para fazer intervenções, levando em conta que “o sistema não funciona de maneira determinística”. “Não é possível determinar causas e consequências de forma linear. Essa premissa pode abrir outros caminhos, ter outros desdobramentos teóricos e, em algum momento, levar à solução de um problema real”, finaliza.
Redação: Matheus Espíndola - Agência de Notícias da UFMG